China e o Relacionamento Dúbio com o Bitcoin

A China proibiu o Bitcoin, mas a rede ainda resiste. Entenda se o objetivo é erradicação ou controle e como o yuan digital se insere nessa disputa.

Desde os primeiros dias do Bitcoin, a China exerceu um papel ambíguo e estratégico sobre a moeda digital. O país foi, durante anos, o epicentro da mineração global, além de lar de algumas das maiores exchanges do mundo. No entanto, ao longo da última década, o governo chinês adotou uma postura cada vez mais restritiva em relação ao Bitcoin — chegando à proibição total da mineração e do uso comercial da moeda em 2021.

China e o Relacionamento Dúbio com o Bitcoin

Apesar da repressão oficial, os dados mostram que a rede Bitcoin continua presente na China. Afinal, será que o governo realmente quer erradicar o Bitcoin? Ou estamos diante de uma tentativa sofisticada de controle estatal sobre a inovação descentralizada?

O domínio chinês na mineração (até ser banida)

Em meados de 2019, mais de 70% do hash rate global do Bitcoin era processado por mineradoras localizadas na China. Cidades nas províncias de Sichuan e Xinjiang tornaram-se centros industriais de mineração, aproveitando energia barata e subsídios estatais.

No entanto, em 2021, o governo chinês anunciou uma repressão geral contra a mineração de Bitcoin, alegando preocupações ambientais e riscos à estabilidade econômica. Em questão de semanas, milhares de máquinas foram desligadas, mineradores migraram para países como Cazaquistão, EUA e Rússia, e o hash rate global despencou — para, logo em seguida, se recuperar.

Mesmo com a proibição, análises recentes apontam que cerca de 20% da mineração global ainda ocorre em território chinês, agora de forma clandestina. Isso mostra que a repressão não erradicou a atividade, apenas a empurrou para a sombra.

Exchanges e capital: controle total

Além da mineração, o governo chinês também fechou exchanges locais e impediu que empresas aceitassem pagamentos em Bitcoin. A medida visava limitar o fluxo de capitais fora do sistema bancário estatal e reduzir a especulação.

Contudo, usuários chineses continuam acessando mercados internacionais por meio de VPNs, P2P e stablecoins. Plataformas como Binance, apesar de sediadas fora do país, ainda atraem milhões de usuários chineses em operações discretas.

Ou seja: o controle é forte, mas não absoluto. O Bitcoin continua circulando entre cidadãos chineses, especialmente em momentos de instabilidade do yuan ou repressão política.

O jogo das CBDCs: o yuan digital como resposta ao Bitcoin

A verdadeira ambição da China não parece ser simplesmente eliminar o Bitcoin. Na prática, o país canalizou seu conhecimento sobre moedas digitais para desenvolver o yuan digital — uma moeda estatal programável e altamente controlada.

O yuan digital já está em testes avançados, com distribuição em várias cidades e integração com aplicativos como WeChat e Alipay. Com isso, o Partido Comunista busca uma alternativa soberana ao dólar e, ao mesmo tempo, uma ferramenta interna de vigilância financeira.

Portanto, ao proibir o Bitcoin e promover sua própria moeda digital, a China tenta moldar o futuro do dinheiro conforme seus interesses geopolíticos e sociais.

Bitcoin como ameaça à autoridade central

O Bitcoin representa, por natureza, uma ameaça direta ao modelo de governança da China. Seu caráter descentralizado, sua resistência à censura e sua lógica meritocrática colidem com o sistema de controle hierárquico do Partido.

Além disso, o uso do Bitcoin por dissidentes, jornalistas e cidadãos tentando preservar suas economias dificulta o monopólio da informação e da moeda. Não à toa, diversas autoridades chinesas já declararam que “o Bitcoin mina a ordem econômica socialista”.

Conclusão: controle, não extinção

A postura da China diante do Bitcoin não deve ser confundida com um desejo genuíno de eliminação total. Trata-se de uma estratégia de contenção, reposicionamento e substituição. A repressão serve para enfraquecer os pilares da descentralização, enquanto o Estado lança sua própria alternativa — centralizada, rastreável e programável.

No fim das contas, a China não quer que o Bitcoin desapareça. Quer que ele deixe de ser relevante.

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