As sanções econômicas continuam sendo uma das principais armas do Ocidente para exercer poder sem recorrer à força militar. No entanto, à medida que o mundo se digitaliza e redes descentralizadas se fortalecem, esse instrumento de coerção enfrenta novas barreiras. Entre as soluções mais eficazes nesse contexto, o Bitcoin se destaca como uma rota alternativa que regimes sancionados utilizam para sobreviver — e até prosperar — à margem do sistema financeiro tradicional.

O modelo centralizado de sanções e sua fragilidade
Durante décadas, os Estados Unidos e seus aliados impuseram sanções para bloquear o comércio, congelar ativos e restringir transações internacionais. Para aplicar essas medidas, eles utilizam uma infraestrutura bancária centralizada e o sistema SWIFT, o que lhes garante amplo controle.
No entanto, essa centralização também representa uma fragilidade. Com o surgimento do Bitcoin, os governos perdem a capacidade de bloquear transações diretamente. Isso ocorre porque a rede funciona de forma peer-to-peer, sem intermediários, e com base em código aberto que resiste à censura.
Como Irã, Rússia, Coreia do Norte e Venezuela usam o Bitcoin
O Irã exemplifica essa transformação. Após anos enfrentando sanções relacionadas ao programa nuclear, o país passou a explorar a mineração de Bitcoin como fonte alternativa de receita. O governo autorizou mineradoras a operar e vendeu parte do BTC extraído para importar bens e serviços essenciais.
A Rússia adotou postura semelhante após a exclusão do sistema SWIFT, em 2022. O país promoveu debates sobre o uso de Bitcoin e stablecoins para pagamentos internacionais, principalmente com países que se opõem à hegemonia ocidental. Dessa forma, autoridades russas buscaram novas formas de manter relações comerciais sem o dólar.
A Coreia do Norte, por outro lado, usou ataques cibernéticos como estratégia. Grupos de hackers ligados ao regime invadiram plataformas digitais, roubaram milhões em Bitcoin e lavaram esses recursos para financiar programas nucleares e operações militares. Embora condenável, essa ação mostra como até regimes extremamente isolados conseguem usar a rede.
Na Venezuela, tanto o governo quanto a população recorreram ao Bitcoin para lidar com a hiperinflação e os bloqueios financeiros. Enquanto o Estado criou tokens próprios e tentou controlar a mineração, os cidadãos adotaram o BTC como ferramenta de proteção patrimonial e acesso ao mercado internacional.
O Bitcoin entre a liberdade individual e o autoritarismo
O uso do Bitcoin por regimes autoritários gera polêmica. Muitos defensores da liberdade individual argumentam que a rede protege dissidentes, refugiados e populações oprimidas. Ao mesmo tempo, críticos apontam que esses mesmos recursos tecnológicos permitem que governos totalitários escapem de punições legítimas.
No entanto, a neutralidade do Bitcoin elimina esse julgamento. A rede trata todos os usuários da mesma forma, sem analisar motivações ou afiliações políticas. Essa característica, que pode incomodar os poderosos, também protege os mais vulneráveis.
As potências tentam controlar, mas fracassam
Na tentativa de conter esse movimento, os Estados Unidos e seus aliados pressionaram exchanges, rastrearam carteiras e criaram regulações mais rígidas. Eles também aplicaram sanções a serviços como mixers e prenderam desenvolvedores de softwares descentralizados — como no caso do Tornado Cash.
Apesar desses esforços, a rede Bitcoin permanece funcional. Transações continuam ocorrendo, mineradores seguem processando blocos e desenvolvedores continuam aprimorando o protocolo. Cada tentativa de controle só reforça a importância de uma rede que não precisa de permissão para operar.
Conclusão: um sistema financeiro sem dono
O Bitcoin não surgiu com o objetivo de ajudar regimes autoritários. Mesmo assim, sua existência oferece caminhos alternativos para qualquer ator — legítimo ou não — escapar da coerção econômica. Esse uso não reflete uma falha, mas sim uma consequência lógica de um sistema neutro, imutável e distribuído.
Dessa forma, o Bitcoin redefine a geopolítica monetária. Em um mundo onde o acesso a finanças se transformou em arma de guerra silenciosa, a rede oferece abrigo para aqueles que o sistema tradicional exclui. Se isso incomoda os que antes detinham o monopólio do controle, é porque o jogo começou a mudar.